quarta-feira, 4 de março de 2009

Janelas


Poema de António Gedeão


Tenho 40 janelas nas paredes do meu quarto,
sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do sol, por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens, pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto, pela menor a certeza,
pela da frente a beleza que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas quatro vértices,
quatro pontos cardiais.
Pela redonda entra o sonho, que as vigias são redondas
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade, e o desejo dos homens e o tédio,
e o medo, e as melancolias,
e essa fome sem remédio a que se chama poesia.
E a inocência, e a bondade, e a dor própria,
e a dor alheia e a paixão que se incendeia,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro, que se olham obliquamente,
arrepiados de medo.
Todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes, tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.
Oh janelas do meu quarto, quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta, falta-me luz e o luar!