terça-feira, 17 de março de 2009

A pesca do bacalhau nos mares da Gronelândia





























Revista Oceanos
Terra Nova

A Epopeia do Bacalhau
Nº 45, Janeiro/Março, 2001

…Foram fracas as campanhas dos últimos anos da década de 20. Em 1930 os navios regressam, mais uma campanha fraca.
Mas Ílhavo anima-se à chegada dos seus homens que andam bamboleando nas ruas como se ainda um
convés pisassem .
Passam os carros de bois carregados com os sacos de lona da roupa de bordo, cheirando a salgado e ao azougue das cavernas. Vai a roupa ao rol para a lavadeira a levar ao rio. Faz-se a procissão do Senhor dos Navegantes, andor aos ombros de marinheiros que cumprem promessas.
Juntam-se os «bacalhoeiros» na praça, na farmácia,
no barbeiro e este, de tanto os ouvir, já conhece os espalques ( locais de bom fundo) do Grande Banco, de cor e salteado os baixos de Rocks, os rumos, quantas as remadas.
Contam-se histórias, recordam-se os maus tempos, lamentam-se os naufrágios e as vidas perdidas. Mas vieram intrigados por terem deixado de avistar, por uns tempos, o «Santa Mafalda» no Virgin Rocks e no Grande Banco.
«- Por onde andou, Capitão Cajeira?
E este conta aos amigos e ao jornal «Beira Mar»:
- No ano passado chegaram até mim informações sobre a belíssima pesca que havia feito um navio francês nos Bancos da Groenlândia (…) Este ano cheguei aos Bancos da Terra Nova, procurei meus lugares preferidos de pesca aqueles onde em anos transactos, tenho feito boa safra. Uma grande desilusão sofri. Má pesca, escassez de peixe, uma arrelia…Resolvi, definitivamente, ir até aos Bancos da Groênlandia.
Partimos no dia 20 de Junho e tivemos uma viagem magnífica (…) Sem novidade e ao fim de 10 dias estávamos a 63º 40´ de latitude norte. Estávamos, então, sob a acção de um frio inclemente, cortante, indescritível (…) De todos os lados, mais perto e mais longe, se erguiam majestosos e bizarros os icebergs (…) De todos os tamanhos e de todos os feitios. Alguns davam-nos a impressão de veleiros singrando os mares, com o velame içado.
(…) Interessante mas tétrico. Interessantíssimas as auroras boreais.
- E pescaram?
- Oiça: castigada pelo frio intensíssimo e ante o perigo eminente em que nos achávamos em virtude da proximidade dos icebergs, a tripulação reunida
declarou-me que era impossível pescar (…) Que não podiam, diziam eles, e eu tive de concordar. O fogão já não tinha calor suficiente para coser pão e a água já fervia com muita dificuldade. (…) Em derredor do navio, a certa distância, avistaram-se centenas de icebergs. Faziam um barulho ensurdecedor (…).
- Como escaparam de tão grande perigo?
- Tivemos a nosso favor um grande factor de ordem natural. Quase não havia noite naquelas longínquas
paragens. O sol rompia às duas horas da madrugada e só às 11e15 horas (da noite) desaparecia no horizonte.
- Três horas pouco mais de noite.
- É certo… e nem sequer nesse tempo dormia descansado. Com grande dificuldade e, por vezes em risco de nos perdermos, conseguimos descobrir uma aberta pela qual iniciámos o regresso.
Navegando com ventos contrários só conseguimos chegar aos bancos da Terra Nova em Julho».
(continua)

Diário Náutico do lugre “Santa Mafalda”, 1931, do capitão João Pereira Cajeira (1879-1958)